terça-feira, 18 de março de 2008

A Notação Musical e o Músico Popular

Podemos dizer que o sistema de notação musical ocidental vem se desenvolvendo desde a antigüidade até os dias de hoje, já que os gregos e outros povos há muito se utilizavam da chamada notação alfabética. A história indica que a notação musical surgiu para que a música pudesse ser difundida e também pela necessidade de muitas pessoas trabalharem em conjunto. Porém a música notada era a religiosa. A popular era transmitida de forma oral. Desde a Idade Média, quando o monge Guido d'Arezzo aperfeiçoou o sistema de notação ocidental, o saber musical vem sendo relacionado a conhecimentos teóricos e da escrita. Os conservatórios de música, quando surgiram, se limitavam ao ensino da chamada música erudita, ou melhor, da música grafada, ficando este conhecimento restrito aos músicos eruditos. Desde sempre existe um abismo entre a música dita erudita e a popular. A educação musical certamente reflete esta imagem. No Brasil, desde o período colonial e até bem pouco tempo atrás, qualquer tentativa formal de educação musical estava associada à música erudita européia. A notação, por estar inserida neste contexto, ficou com o estigma de representar este gênero musical. O músico profissional popular não tinha a oportunidade de aprender a usar certas ferramentas de trabalho, como a escrita. Os conservatórios e universidades não trabalhavam com sua linguagem, a popular, conservando o abismo entre estes dois gêneros e, conseqüentemente , afastando-o das escolas. Porém, entre outros fatores, a música instrumental popular contribuiu para provocar o encontro da escrita com os músicos populares. Estes passaram a utilizá-la, já que para se tocar em conjunto o recurso da grafia é fundamental, ainda mais em casos não muito raros nos quais os arranjos são bastante complexos. Na década de 40, no Brasil, músicos vindos de uma formação erudita se misturavam a músicos populares que, por motivos profissionais, já sentiam a necessidade de aprender a ler música para poder trabalhar, principalmente nas orquestras das rádios que se proliferavam. A aprendizagem da notação se dava principalmente através desses músicos eruditos ou nas corporações militares. Uma carta de Jacob do Bandolim a Radamés Gnatalli, enviada em 1964, ilustra bem este fato: ''Meu caro Radamés: Antes de 'Retratos', eu vivia reclamando: 'preciso ensaiar...'. E a coisa ficava por aí: ensaios e mais ensaios. Hoje minha cantilena é outra: 'Mais do que ensaiar, é necessário estudar!' E estou estudando. Meus rapazes também (o pandeirista já não fala mais em paradas: 'Seu Jacob! O sr. quer aí uma fermata? Avise-me, também, se quer adágio, moderato ou vivace!...' Veja, Radamés, o que V. arrumou!'' (Revista Roda de Choro, 1995) Uma das condições básicas para que se dê a aprendizagem da notação musical é a sua contextualização. No caso do músico popular, o próprio vocabulário existente para designar os elementos da escrita já está longe da sua realidade. As palavras não significam nada por si só, funcionam mais como um símbolo de um símbolo, dificultando muito a aprendizagem. Nós, brasileiros, temos a vantagem de ter na nossa língua palavras muito semelhantes às da língua italiana, que é a língua adotada em muitos países para designar termos musicais da notação ocidental. Presenciei situações onde estudantes de música americanos apresentavam bastante dificuldade para pronunciar e decorar o significado de palavras como crescendo ou fortíssimo. Esse é um tipo de dificuldade encontrada pelos estudantes de música e que não precisaria existir. Horas preciosas de estudo são gastas com questões como esta. Uma outra situação muito freqüente e que acaba desestimulando o aprendizado da grafia musical são os nomes utilizados para designar as figuras rítmicas. Em uma época onde ainda se utilizavam as figuras chamadas de máxima, longa e breve, fazia sentido a semibreve ser assim chamada. Hoje em dia, a confusão é geral. Como pode a figura de maior duração ser chamada de semibreve? Melhor fazem os que optam pela denominação redonda, branca e negra para respectivamente representar a semibreve, mínima e semínima. Essas e outras questões que aparecem no dia a dia dos professores e estudantes de música devem ser discutidas para evitar que dificuldades inúteis se coloquem à frente dos alunos. Este foi apenas um exemplo para se colocar em questão a necessidade e a qualidade da formação dos professores de música. A nosso ver, este é um dos caminhos para solucionarmos pequenos e grandes problemas na forma de se entender e encarar a Educação Musical.
Texto retirado do site: http://cafemusic.com.br

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